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A Arte de Conciliar no Processo: Amor, Respeito, Compreensão ou… ESTRATÉGIA?!

estratégia

*Texto publicado originalmente no blog Advogado no Controle

Sempre considerei intrigante a informação muito difundida de que o novo Código de Processo Civil deixaria os processos mais céleres (já comentei brevemente esse assunto em outro artigo, intitulado Art. 489, § 1º, do Novo CPC: Panaceia ou letra morta?). Embora, de fato, o novo código esteja trazendo medidas para tentar acelerar os processos, como, por exemplo, o incidente de resolução de demandas repetitivas, o sistema de precedentes e a estabilização da tutela de urgência, vejo razão também para crermos que as ações poderão ter trâmite ainda mais demorado, principalmente por conta da previsão de audiência de conciliação obrigatória em todos os processos – tema que será tratado neste texto.

A ideia surge de uma prática já muito difundida nos Juizados Especiais – embora a previsão legal fosse uma audiência única, de conciliação e instrução, que, na prática, raramente acontece – e de eficácia bastante questionável, pois se baseia na ideia ingênua de que o litígio existe porque as partes não tiveram a oportunidade de sentar em uma mesa e negociar. Parte também do pressuposto de que os advogados são incapazes de transigir por conta própria e de que é necessário um conciliador que, na maioria das vezes, se limita a dizer: “Existe proposta de acordo? Não? Que pena! Fica o autor intimado para a réplica”.

Transportar esse modelo de conciliação para todos os processos foi talvez a pior inovação do novo Código de Processo Civil, principalmente diante da previsão de que a audiência só será dispensada se tanto o autor quanto o réu se manifestarem pela sua desnecessidade. Ou seja, não basta que uma das partes diga que não tem interesse em conciliar, embora seja evidente que a conciliação só acontecerá havendo interesse de ambas as partes.

Considero a realização dessa audiência despropositada, porque parte de uma tradição de tratar a conciliação de uma maneira ingênua, e nesse texto explicarei porquê.

Por que conciliar?

Essa é uma pergunta que muitos graduandos em Direito e advogados recém-formados se fazem. Afinal, para que estudar tanto o processo civil, conhecer todo o sistema recursal, para depois deixar de conduzir o processo até o fim? Por que transigir se o meu cliente tem razão?

A academia tem bastante culpa nisso, pois acaba induzindo o estudante de Direito a repelir a conciliação por majoritariamente reforçar a ideia ingênua de que conciliar é “resolver amigavelmente”. Há até quem defenda que a conciliação e a mediação se resolvem na base do amor…

A resposta, contudo, não vem da academia, mas sim da prática. O advogado recém-formado logo percebe que o processo, que parece muito funcional ao ler o CPC, se arrasta por 5, 10, 15 anos, mesmo quando a causa não é tão complexa, por conta da sobrecarga e falta de estrutura do Judiciário para dar conta de toda a demanda. Conciliar é uma necessidade em virtude do tempo.

A prática revela que fazer um acordo não é fazer as partes se reconciliarem ou se tornarem amigas, mas sim otimizar ganhos ou minimizar prejuízos diante do tempo que o processo poderá levar para ser concluído.

Quando conciliar?

Se a principal variável que justifica a conciliação é justamente o tempo, nada mais natural do que se perguntar: quando conciliar?

Imaginemos a seguinte situação: o autor propõe uma ação para rescindir um contrato e pede uma liminar para que possa suspender o pagamento que deveria fazer ao réu. O juiz defere a liminar e intima o réu para uma audiência de conciliação. Você, como réu, acha que esse é um bom momento para tentar um acordo?

Ora, o réu, por ser réu, já está desde o início em uma posição desfavorável. Por conta da liminar, o réu deixará de receber o pagamento esperado, o que lhe causará prejuízo. Sendo assim, qual o poder de barganha que o réu tem para negociar um acordo? O que poderia melhorar a situação do réu: amor, compreensão ou um agravo com efeito suspensivo?

Muito melhor seria se o réu agravasse da decisão e obtivesse um efeito suspensivo para suspender a liminar, ou, dependendo das circunstâncias do caso, propor uma outra ação em face do autor, para criar uma situação desfavorável para ele também. A partir daí o réu estaria em uma condição melhor para ter poder de negociação em um possível acordo.

Esse é apenas um exemplo, pois o tempo é uma variável que pode influir de diversas maneiras no processo. Por isso, a audiência de conciliação logo após a propositura da ação nem sempre (quase nunca, na verdade) será o melhor momento para ambas as partes negociarem um acordo.

Estratégia é a chave

Esqueça toda a ideia de que a conciliação é um ato de alteridade, que as partes precisam se entender melhor e que um acordo é uma solução “amigável”. Isso tudo é muito bonito no papel e pode até ser aplicável a alguns casos específicos de direito de família, mas nem de longe é eficaz na maioria dos casos.

Antes de pensar em fazer um acordo, o advogado deve primeiro avaliar:

  1. Quanto o seu cliente tem a ganhar ou a perder;
  2. Quanto do seu ganho o cliente está disposto a abrir mão ou quanto prejuízo ele admite ter;
  3. O quão favorável ou desfavorável é a posição do seu cliente em relação à parte contrária;
  4. Quanto o processo poderá demorar para ser concluído de maneira ordinária;
  5. De que maneira o tempo poderá influir sobre a posição do seu cliente.

É a partir dessa avaliação que o advogado poderá concluir qual é o melhor momento para tentar um acordo e de que maneira ele poderá melhorar a posição do seu cliente para melhorar as suas condições de negociação. E é justamente aí que entram as ferramentas processuais que o estudante e o advogado recém-formado tanto estudaram e estão ávidos para usar. A conciliação não exclui o uso do processo, mas ela requer um uso estratégico.

Exemplo: o cliente está sendo executado e tem interesse em quitar seu débito, mas quer negociar um valor menor e em melhores condições de pagamento. Embargos à execução, ainda que não tenham uma tese forte o suficiente para serem acolhidos em seu mérito, podem melhorar a situação do cliente caso sejam recebidos com efeito suspensivo. O executado passa a ter um poder de negociação muito melhor em uma execução suspensa.

No entanto, a parte difícil começa aqui: não existe receita. Por mais que seja possível dar diversos exemplos, na prática cada situação exigirá a sua própria solução e cabe ao advogado buscar a melhor forma de agir. O que se pode recomendar, contudo, para todos os casos, é que o advogado sempre tenha em mente o objetivo que deseja alcançar com o acordo e avalie a situação para, a partir de então, encontrar a melhor forma e momento para negociar.

Bruno de Oliveira Carreirão
Bruno de Oliveira Carreirão

Advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito – EPD e membro das Comissões de Direito Urbanístico e Direito Imobiliário da OAB/SC, da Associação Brasileira de Direito e Economia - ABDE e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

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