Esse texto ficou desatualizado após a rejeição do veto ao art. 9º da 14.010/2020. Para conteúdo mais atualizado, clique aqui.
Foi sancionada a Lei nº 14.010/2020, que criou o chamado “Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET)” no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Esse regime jurídico de nome complicado nada mais é do que a suspensão de algumas normas durante a pandemia, visando dar mais segurança jurídica para as relações privadas durante esse momento turbulento.
Todavia, o Presidente da República vetou diversos artigos aprovados pelo Congresso, incluindo o ponto da lei que mais havia repercutido na imprensa: a proibição das medidas liminares de despejo durante o período da pandemia. Com tantas idas e vindas durante a tramitação do projeto de lei, é natural que algumas notícias possam ter induzido a erro. Por isso, meu objetivo aqui é explicar como ficou a situação dos despejos após a sanção da lei (e o veto).
O que o projeto proibiria?
Antes de mais nada, é preciso esclarecer: despejo é a medida que visa a retomada de um imóvel alugado pelo seu proprietário. Não deve ser confundido com reintegração de posse, desapropriação ou penhora e leilão por dívida, pois se tratam de institutos jurídicos diferentes, que se aplicam em outras situações e que não seriam afetados por essa lei.
Além disso, a medida liminar de despejo é aquela que é concedida pelo juiz no começo do processo, antes que o réu (neste caso, o inquilino) apresente sua defesa. Portanto, os despejos decretados por sentença (ou seja, após apresentação de defesa e produção de provas) nunca foram objeto de qualquer suspensão pelo projeto de lei e, por isso, podem ser decretados durante a pandemia.
A Lei nº 8.245/91 (também conhecida como Lei do Inquilinato ou Lei de Locações) prevê, no seu art. 51, § 1º, uma série de hipóteses em que o juiz pode deferir o despejo de forma liminar. O que o projeto de lei vedaria, em seu art. 9º, é que o juiz ordenasse o despejo de forma liminar em algumas das hipóteses previstas na Lei do Inquilinato até 30 de outubro de 2020. Seriam elas:
- O descumprimento de acordo por escrito entre locador e locatário com prazo mínimo de 6 meses para desocupação;
- Em caso de extinção de contrato de trabalho, quando a locação é decorrente de relação de emprego;
- Em caso de permanência do sublocatário no imóvel, quando a locação em si já foi extinta;
- O término do prazo de notificação para apresentação de nova garantia locatícia (no caso em que a garantia anterior foi extinta);
- O término do prazo da locação não residencial (comercial);
- A falta de pagamento de aluguel e encargos, quando o contrato não possui garantia locatícia (ex.: caução ou um fiador).
Nas outras hipóteses previstas na Lei do Inquilinato, o despejo liminar continuaria possível, mesmo sem o veto. São elas:
- O término do prazo da locação para temporada;
- A morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação;
- Em caso de necessidade de reparações urgentes no imóvel determinadas pelo Poder Público.
Portanto, nem mesmo o projeto era tão proibitivo quanto havia sido alardeado na imprensa.
O art. 9º foi vetado
Ao sancionar a Lei nº 14.010/2020, o Presidente da República vetou o art. 9º da Lei nº 14.010/2020 (dentre outros). Na mensagem do veto, a justificativa foi a seguinte:
“A propositura legislativa, ao vedar a concessão de liminar nas ações de despejo, contraria o interesse público por suspender um dos instrumentos de coerção ao pagamento das obrigações pactuadas na avença de locação (o despejo), por um prazo substancialmente longo, dando-se, portanto, proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento e em desconsideração da realidade de diversos locadores que dependem do recebimento de alugueis como forma complementar ou, até mesmo, exclusiva de renda para o sustento próprio.”
Assim, é importante que ninguém se iluda com notícias que foram divulgadas durante a tramitação do projeto de lei: não há nenhuma lei que proíba qualquer modalidade de despejo em razão da pandemia. Portanto, não há nenhum salvo-conduto para que os inquilinos deixem de pagar seus alugueis e demais encargos durante este período. Por isso, os locatários que estava confiando na sanção da lei conforme havia sido aprovada pelo Congresso devem rever suas posições e possivelmente adotar nova postura em negociações de revisão do contrato ou desconto nos alugueis – que continua sendo, via de regra, o melhor caminho para equilibrar as relações locatícias durante esse momento difícil para todos.
Os juízes nem sempre estão autorizando os despejos
Muito embora o art. 9º tenha sido vetado e não haja proibição legal para as medidas liminares de despejo durante a pandemia, isso não significa que os juízes necessariamente acatarão o pedido do locador. Em muitos casos, mesmo que decretem o despejo (liminarmente ou por sentença), os juízes estão suspendendo o seu cumprimento, para evitar o desalojamento em meio à suspensão de diversos setores da atividade econômica, bem como para atender à recomendação de isolamento social dos envolvidos, Em alguns tribunais, inclusive, a distribuição de mandados e as próprias diligências dos oficiais de justiça estão suspensas, o que, por si só, inviabiliza o cumprimento da medida, que fica adiada até que as atividades dos oficiais de justiça sejam restabelecidas.
Portanto, os locadores que comemoraram o veto também não devem deixar a mesa de negociação, porque mesmo que o locatário não esteja com os pagamentos em dia, não é possível ter certeza de que a retomada será possível. Além disso, é importante lembrar que será difícil conseguir um novo inquilino durante esse período.