*Artigo publicado originalmente em 2015 na Revista do Portal Jurídico Investidura
Neste ano de 2015, o Conselho Federal da OAB está discutindo a reforma do Código de Ética da Advocacia. O tema começou a ser votado, mas foi retirado de pauta por conta de um aspecto que gerou muita polêmica: a publicidade profissional. O anteprojeto do novo Código de Ética é muito mais restritivo com relação à publicidade do que o texto vigente, que muitos já consideram ultrapassado.
O atual Código de Ética e Disciplina da OAB estabelece que o advogado pode anunciar seus serviços com discrição e moderação, vedando qualquer forma mercantil de divulgação, estabelecendo, para tanto, uma série de regras bastante específicas. No entanto, o Código foi elaborado em 1995 e, desde então, a advocacia mudou muito.
Durante muitos anos, a advocacia era majoritariamente exercida por profissionais que trabalhavam individualmente em seus escritórios e ficavam a espera de clientes que procurassem por seus serviços. Hoje, após o aumento exponencial da quantidade de faculdades de Direito no país – o Brasil tem mais faculdades de Direito do que o resto do mundo inteiro, segundo levantamento – e a consagração das grandes sociedades, o profissional que fica sentado em seu escritório esperando que o cliente bata à sua porta dificilmente terá sucesso.
A verdade é que tanto as restrições atuais quanto as novas restrições que estão sendo propostas têm origem em uma concepção que há muito não é mais sustentável: a de que a advocacia não é uma atividade mercantil. Perdura ainda a ideia de que, em razão de suas prerrogativas e de uma suposta nobreza especial, a advocacia não pode ser encarada como uma mera prestação de serviço sujeita às regras do mercado.
É indiscutível que o advogado é um profissional de importância ímpar na sociedade, cuja atuação é essencial para o Estado de Democrático de Direito. Todavia, não há razão para se considerar que a advocacia seja mais nobre do que outras profissões, como medicina ou engenharia. A nobreza está no trabalho, não no título que o profissional ostenta. Tal noção, na realidade, deve-se em certa medida a certa prepotência que caracteriza muitos dos profissionais da área do Direito e ajuda a explicar o porquê de a profissão muitas vezes ser vista com maus olhos por alguns setores da sociedade.
Ademais, estar sujeita às regras de mercado de maneira nenhuma pode ser considerado como um demérito para a profissão. A sujeição às regras do mercado, na verdade, sequer é uma questão de escolha, pois a partir do momento que mais de um profissional presta o mesmo serviço, a concorrência é inevitável.
A quantidade cada vez maior de advogados e sociedades de advogados no mercado fez com que os profissionais da área tenham que cada vez mais disputar o seu espaço. As regras a respeito da publicidade no Código de Ética da Advocacia, contudo, tornaram-se um obstáculo artificial para a competitividade no mercado da advocacia, beneficiando apenas os advogados já estabelecidos, de nome ou sobrenome famosos e com clientela já conquistada.
Em um momento em que o Conselho Federal tem a possibilidade de reformar o Código de Ética da OAB para propiciar melhores condições de divulgação dos serviços dos profissionais da advocacia, a proposta que surge é justamente no sentido contrário: além de manter as restrições que já engessam o exercício da profissão, impõe novas restrições, que inclusive inviabilizam práticas já corriqueiras atualmente.
O art. 38 do anteprojeto mantém a mesma redação ultrapassada do Código atual, estabelecendo que a publicidade profissional tenha caráter meramente informativo, sendo vedada qualquer forma de expressão que caracterize “captação de clientela”:
Art. 38. A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo, não podendo as publicações feitas com esse objetivo apregoar serviços, induzir as pessoas a litigar, invocar atuações precedentes em determinados casos ou utilizar expressões que, de qualquer forma, possam configurar captação de clientela.
Trata-se dispositivo completamente dissociado da realidade, uma vez que a divulgação da prestação de um serviço sempre terá necessariamente como objetivo a captação de clientela. Além disso, parte de uma concepção anacrônica de que uma publicidade desmedida de serviços jurídicos pode induzir a litigiosidade, ignorando o fato de que a advocacia não se restringe apenas à advocacia contenciosa, abrangendo também consultoria e assessoria.
Os §§ 1º e 2º do referido artigo dispõem sobre a permissão dos advogados e sociedades de manterem “sítios eletrônicos”, estabelecendo regras sobre o seu conteúdo:
§ 1º O advogado e as sociedades de advogados poderão manter sítios eletrônicos, onde deverá necessariamente constar o nome do advogado, da sociedade de advogados, caso existente, e o número de inscrição na OAB.
§ 2º O sítio eletrônico do escritório poderá disponibilizar uma área de acesso restrito aos clientes interessados, mediante login e senha específicos, para informações concernentes aos seus processos.
A redação proposta já nasce completamente obsoleta, pelos termos utilizados e por ter a pretensão de regulamentar algo tão dinâmico quanto a tecnologia. Se atualmente, o mecanismo de “login e senha” já está deixando de ser o padrão de segurança utilizado na internet, é muito provável que o dispositivo se torne alvo de piada com o passar dos anos. Não há razão para que um código de ética profissional seja tão específico.
O § 3º do art. 38 é provavelmente o dispositivo mais polêmico da proposta, pois veda promoção do advogado nas redes sociais:
§ 3º São vedados quaisquer meios de autopromoção, nas redes sociais ou na mídia, ainda que a pretexto de divulgar atividades de outra natureza a que o profissional esteja vinculado.
As redes sociais já deixaram de ser novidade e a presença digital dos advogados e sociedades de advogados já é uma realidade. Muitos profissionais, inclusive, investiram para manter e produzir conteúdo para suas páginas no Facebook, Twitter, Linkedin e etc. Além disso, trata-se de forma extremamente democrática, devido ao baixo custo, de divulgação da prestação de serviço de advocacia, que tem servido como porta de entrada para muitos jovens advogados no mercado, justamente em razão de outras tanta restrições à publicidade profissional.
Essa proposta certamente não tem como objetivo manter a integridade da profissão, pois não há razão para considerar que a publicidade em redes sociais é imoral. É nítida a intenção de manter a reserva de mercado dos advogados e sociedades já consagrados e bem estabelecidos, fechando as portas para a entrada de novos profissionais no mercado.
Merece especial atenção a parte final do § 3º, que proíbe que o advogado se autopromova, inclusive, para divulgar atividades de outra natureza! A inconstitucionalidade é flagrante, pois o Código se excede em muito sua competência, ao pretender regular a vida do advogado fora de seu exercício profissional.
Os artigos seguintes também mantêm em grande parte a já ultrapassada redação atual, regulando questões como a “sobriedade” do anúncio do advogado e da placa da sede do escritório:
Art. 39. O anúncio deve mencionar o nome do advogado ou da sociedade de advogados, dele constando, necessariamente, o número da inscrição na OAB, podendo trazer o logotipo do escritório ou da sociedade, bem como o respectivo endereço.
§ 1º. O anúncio adotará estilo sóbrio, na forma e no conteúdo, podendo indicar a especialidade do escritório ou sociedade, o horário de atendimento aos clientes e idiomas em que estes poderão ser atendidos, títulos acadêmicos de que sejam portadores os seus integrantes, bem como instituições jurídicas de caráter cultural a que sejam filiados.
Art. 40. As placas afixadas na sede profissional ou na residência do advogado devem ser confeccionadas segundo modelo sóbrio, tanto nos termos quanto na forma e na dimensão.
§ 1º É vedada a utilização de outdoors e de formas assemelhadas de publicidade, tais como anúncios eletrônicos, painéis confeccionados com material de qualquer natureza e inscrições em muros, paredes ou veículos.
§ 2º A critério do Conselho Seccional e segundo modelo por este aprovado, os veículos utilizados por advogados ou sociedades de advogados poderão estampar adesivos discretos, com a finalidade de facilitar-lhes a identificação em estacionamentos oficiais.
Art. 45. Os cartões de visita, os papéis timbrados e todos os materiais utilizados pelos advogados e sociedades de advogados devem obedecer às mesmas normas da publicidade profissional, não podendo deles constar fotos ou qualquer ilustração incompatível com a sobriedade da advocacia.
Ora, se um determinado escritório opta por instalar uma placa em sua sede, de cor rosa choque, cravejada de lantejoulas, muito provavelmente não será levado a sério. No entanto, anunciar de maneira extravagante ou sóbria deve ser opção do próprio profissional, pois é ele quem arcará com ônus ou bônus de sua estratégia. Não há razão para que a Ordem interfira nessa questão.
O § 3º do art. 40 é ainda mais absurdo, por pretender vedar qualquer meio indireto de autopromoção, por meio de outras atividades em redes sociais ou na mídia em geral:
§ 3º São vedados quaisquer meios de autopromoção ou formas de publicidade que, utilizando atividades de outra natureza a que esteja vinculado o profissional, tenham por fim promovê-la nas redes sociais ou na mídia em geral.
Trata-se de disposição inócua, inclusive, pois o advogado, ao estar em evidência, indiretamente sempre estará se promovendo como profissional também, mesmo que não seja a sua intenção, pois o mero fato de se tornar conhecido já lhe traz benefício comercial.
O art. 41, que regula os meios de comunicação em que o advogado pode anunciar, talvez seja o melhor exemplo do anacronismo da proposta:
Art. 41. O anúncio do escritório ou da sociedade de advogados poderá ser veiculado em jornais, revistas, catálogos telefônicos, cartazes de promoções da OAB, folders de eventos jurídicos ou outras publicações do gênero, bem como em sítios eletrônicos de conteúdo jurídico, sendo vedado fazê-lo por meio de mensagens dirigidas a telefones celulares, publicidade na televisão, cinema e rádio, nem podendo ser a mensagem publicitária transmitida por outro veículo próprio da propaganda comercial.
Apesar de toda a advocacia certamente estar plenamente grata por, em pleno Século XXI, ter a permissão de anunciar em catálogos telefônicos, ao vedar a divulgação em mensagens a telefones celulares, vê-se que a proposta ainda não está adequada a realidade dos smartphones, que passaram a ter muito mais funções além de receber os já antiquados “torpedos”. Merece destaque também a proibição de anúncios em “outro veículo próprio da propaganda comercial”, pois qualquer meio de comunicação é próprio para propaganda comercial, inclusive os meios que o artigo permite expressamente.
O art. 42 determina que “escritório ou a sociedade de advogados poderá editar boletins sobre matéria jurídica ou veiculá-lo por meio da internet, tendo como destinatários clientes, colegas ou interessados que os solicitem”. Considerando que tais boletins têm como objetivo justamente atrair novos clientes, a redação proposta, que finge permiti-los, na verdade os proíbe, pois nenhum potencial cliente solicita recebê-los.
Merece destaque também o art. 44, que dispõe sobre publicações em meios de comunicação:
Art. 44. O advogado que publicar colunas em jornais, revistas ou sítios eletrônicos ou participar de programas de rádio, televisão e internet sobre temas jurídicos haverá de pautar-se pela discrição, não podendo valer-se desses meios para promover publicidade profissional.
De forma similar ao § 3º do art. 40, a proposta mais uma vez se demonstra completamente descolada da realidade do mercado. Ao publicar em um meio de comunicação, o advogado realiza o chamado “marketing de conteúdo”, pois ao demonstrar conhecimento sobre um determinado assunto, potencializa as chances de atrair clientes que procurem um profissional com expertise naquela área. Logo, ao publicar, o advogado sempre estará promovendo publicidade profissional, ainda que não seja sua intenção.
Como pode ser percebido, a proposta, como um todo, não tem como escopo a moralização da atividade advocatícia; tem como único objetivo manter a reserva de mercado dos advogados já consolidados, impondo restrições artificiais e retrógradas à livre concorrência entre os profissionais.
É nítido o distanciamento de quem elaborou a proposta da realidade. Apesar de todas as restrições já existentes, a advocacia é sim uma atividade mercantil, há concorrência e os profissionais vendem a sua imagem e captam clientes. E a proposta arcaica tal como está, ainda que seja aprovada, será incapaz de mudar essa realidade.
Ao estabelecer regras tão restritivas, a Ordem não está incentivando o exercício ético da profissão. O que acontece e continuará acontecendo serão os advogados buscando formas de contornar as restrições para divulgar seus serviços e competir no mercado.
Além disso, é evidente que a OAB, por si só, não tem capacidade estrutura suficiente para fiscalizar o cumprimento de tais normas e dependerá de denúncias dos advogados a respeito de descumprimento das normas do Código de Ética. No entanto, considerando que a proposta vai de encontro às opiniões e interesses de grande parte da classe, as denúncias dificilmente ocorrerão, pois é difícil imaginar que um profissional denuncie um colega por uma prática que ele, na verdade, considera que deveria ser permitida e que, em muitas vezes, ele próprio também pratica.
Portanto, caso seja aprovada a proposta de regulamentação de publicidade profissional para o novo Código de Ética da Advocacia, a Ordem dos Advogados do Brasil demonstrará ao país ser uma instituição completamente anacrônica e incapaz de fazer valer as próprias regras, caindo em descrédito perante a população. Perde a OAB, perde a advocacia e perde a sociedade.