Nessa semana, foi noticiado na mídia que o juiz Adriano Mesquita Dantas, da Justiça do Trabalho da Paraíba, julgou inconstitucional a Lei nº 12.990/2014, que institui cotas raciais para concursos públicos federais. Aprovada em 2014, é a primeira vez em que a lei é declarada inconstitucional.
Em sua decisão, o magistrado argumenta que, apesar de o STF ter julgado constitucional a reserva de vagas por critérios raciais para ingresso nas universidades públicas, os fundamentos daquela decisão não se aplicariam ao caso dos concursos públicos. Segundo ele, “o provimento de cargos e empregos públicos mediante concurso não representa política pública para promoção da igualdade, inclusão social ou mesmo distribuição de renda”, diferentemente do acesso à educação.
E, de fato, o acesso à educação e o acesso ao serviço público são questões bastante diferentes – não só do ponto de vista social, como também do ponto de vista constitucional.
A educação é um direito social previsto na Constituição Federal (art. 6º). A Constituição prevê também que a educação é um dever do Estado (art. 205), sendo inclusive obrigatório o seu fornecimento gratuito para o ensino básico (art. 208, I), por ser necessária para proporcionar oportunidades a todos os cidadãos.
Por seu turno, o serviço público surge justamente da necessidade de uma prestação estatal para a população, que precisa de funcionários para ser executada. Logo, não se trata de um direito, mas sim de uma necessidade do Estado.
Cumpre destacar que a Constituição Federal, em seu art. 37, consagrou 5 princípios que norteiam a Administração Pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por eficiência, entende-se que a Administração deve sempre agir visando a maior qualidade com o menor custo, uma vez que está utilizando recursos finitos provenientes do trabalho do contribuinte.
O concurso público para contração de funcionários existe justamente para atender ao princípio da eficiência, pois o interesse público é de que seja contratado o candidato mais apto a desempenhar um melhor serviço, gerando melhor custo-benefício. Além disso, o concurso público também atende ao princípio da impessoalidade, uma vez que o funcionário deve ser contratado por sua capacidade técnica, ao invés de ser escolhido discricionariamente pelo Administrador.
Embora possa se argumentar que o ingresso nas universidades públicas também deva atender aos princípios da eficiência e da impessoalidade, há quem defenda que o ensino superior público trata-se também de uma política pública de promoção de oportunidades e que facilitar o acesso a quem por razões históricas tem dificuldade de competir de igual para igual com os demais candidatos atende a esse objetivo. Essa última foi justamente a linha adotada pelo STF no julgamento da ADPF nº 186.
O mesmo, no entanto, não se pode dizer a respeito do serviço público. Enquanto é desejável que o acesso a educação seja o mais amplo possível, o acesso ao serviço público deve ser o mínimo necessário, visando a racionalização dos recursos, respeitando assim o princípio da eficiência. O objetivo do serviço público não é gerar oportunidades e nem de promover igualdade ou justiça social, mas sim apenas de viabilizar uma prestação estatal.
Assim, ao reservar vagas por critério racial nos concursos públicos, a Administração Pública deturpa a própria lógica do concurso, violando os princípios da eficiência e impessoalidade, pois deixa de contratar os candidatos mais aptos, usando critérios que não são técnicos, de forma contrária ao interesse público.
É cedo para dizer que a decisão da Justiça do Trabalho da Paraíba se tornará a tendência do entendimento do Poder Judiciário a respeito da questão, mas certamente reacenderá uma discussão que parecia sepultada desde o julgamento da APF nº 186. De todo modo, serve de motivação para todos os candidatos que se sentirem lesados ao serem preteridos em um concurso público em razão das cotas raciais buscarem também em juízo o seu direito à nomeação.
Confira aqui a íntegra da sentença: