No último texto da minha coluna mensal no Portal Jurídico Investidura, falei sobre a demora das execuções judiciais e postura permissiva dos juízes para com os devedores contumazes. Mencionei um levantamento que demonstrou que, no Brasil, apenas US$ 0,13 são recuperados de cada US$ 1 emprestado. A recuperação judicial de crédito no Brasil é muito complicada.
Essa é uma realidade que não pode ser ignorada na elaboração de um contrato. De nada adianta um contrato bem amarrado, com todas as cláusulas e condições necessárias e multas pertinentes, se, em caso de não ser cumprido, a sua execução judicial se arrastar por anos e a parte lesada pelo descumprimento nunca conseguir receber o que lhe é devido.
É por isso que os melhores contratos são aqueles que menos dependem do Poder Judiciário para serem cumpridos. A grande questão é: como não depender do Judiciário?
Uma primeira opção que pode ser lembrada é a arbitragem, que tende a ser muito mais rápida e eficiente que o justiça estatal. Todavia, além de nem todos os contratos comportarem convenção de arbitragem, os custos são elevados e, para alguns negócios, a opção pela via arbitral não é financeiramente viável. Há, todavia, outras soluções contratuais para tornar o contrato menos dependente do Poder Judiciário.
Contratos são combinações de mecanismos implícitos e explícitos para garantir o seu cumprimento. Os mecanismos explícitos são aqueles mais convencionais, que estabelecem alguma penalidade para a parte que descumprir o contrato (por exemplo: multa). São mecanismos que, via de regra, dependem do Poder Judiciário para serem executados.
Já os mecanismos implícitos são formas mais sutis de “forçar” as partes a cumprirem suas obrigações, por meios de incentivos. Os contratos de franquia fornecem bons exemplos desses mecanismos. Como é difícil especificar todos os detalhes do padrão de qualidade exigido pelo franqueador no contrato de franquia, há o risco de o franqueado agir de forma oportunista e reduzir o padrão, reduzindo custos e aumentado seu lucro. Sabendo disso, o franqueador pode estabelecer um investimento inicial equivalente ao potencial ganho do franqueado por burlar o contrato, bem como cláusulas que lhe facilitem a rescisão unilateral do contrato, evitando assim ter maiores prejuízos.
A preocupação evidente é que o franqueador pode também agir de forma oportunista e rescindir o contrato mesmo que o franqueado não tenha burlado. No entanto, o franqueador também tem incentivo para não agir assim, pois desvalorizaria sua marca e reduziria a chance de atrair novos franqueados. Além disso, essa probabilidade é prevenida pela redução do valor que o franqueado está disposto a pagar. É por isso que o franqueador não consegue cobrar um investimento inicial arbitrariamente exorbitante.
Mesmo nos casos de mecanismos explícitos, é possível identificar mecanismos que dependam menos ou não dependam do Poder Judiciário. Um exemplo são os contratos que tenham um bem imóvel como garantia. A alienação fiduciária é uma opção muito mais interessante do que a hipoteca, pois enquanto a hipoteca depende de uma ação de execução hipotecária em caso de descumprimento do contrato, a alienação fiduciária já coloca o imóvel oferecido em garantia em nome do credor, podendo a propriedade ser consolidada em procedimento extrajudicial.
Outra solução contratual interessante para reduzir a ineficiência do Poder Judiciário em disputas envolvendo um contrato é o acordo de procedimento (também conhecido como “negócio jurídico processual”), cuja possibilidade foi instituída pelo Código de Processo Civil em 2015. Com esse acordo, é possível inserir cláusula de negociação processual no contrato que altere o procedimento judicial em caso de judicialização do contrato, como a alteração de prazos processuais ou restrições à possibilidade de recorrer.
Identificar os incentivos capazes de induzirem as partes a cumprirem suas obrigações contratuais nem sempre é tarefa fácil, pois é necessário observar as particularidades de cada negócio para elaborar as melhores cláusulas com mecanismos que evitem ou diminuam a dependência do Poder Judiciário. É por essas e outras que sempre dizemos que não recomendamos a utilização de modelos de contratos disponíveis na internet, pois esses modelos nunca estarão adaptados às particularidades de cada negócio.