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Todos os despejos estão proibidos? Não é bem assim…

Na semana passada, o Congresso Nacional rejeitou o veto ao art. 9º da Lei nº 14.010/2020, que restringe as medidas liminares de despejo durante o período da pandemia. A derrubada do veto é mais um capítulo na confusa tramitação legislativa do chamado Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). Como já era de se esperar, as manchetes dos veículos de imprensa dão uma falsa impressão de que todos os despejos estão proibidos[1]. Por isso, meu objetivo aqui é explicar o que de fato está vedado.

O que a lei, de fato, veda

Antes de mais nada, é preciso esclarecer: despejo é a medida que visa a retomada de um imóvel alugado pelo seu proprietário. Não deve ser confundido com reintegração de posse, desapropriação ou penhora e leilão por dívida, pois se tratam de institutos jurídicos diferentes, que se aplicam em outras situações e que não são afetados por essa lei.

Além disso, a medida liminar de despejo é aquela que é concedida pelo juiz no começo do processo, antes que o réu (neste caso, o inquilino) apresente sua defesa. Portanto, os despejos decretados por sentença (ou seja, após apresentação de defesa e produção de provas) também não são afetados pela lei.

A Lei nº 8.245/91 (também conhecida como Lei do Inquilinato ou Lei de Locações) prevê, no seu art. 51, § 1º, uma série de hipóteses em que o juiz pode deferir o despejo de forma liminar. O que a nova lei veda, em seu art. 9º, é que o juiz ordene o despejo de forma liminar em algumas das hipóteses previstas na Lei do Inquilinato até 30 de outubro de 2020. São elas:

  • O descumprimento de acordo por escrito entre locador e locatário com prazo mínimo de 6 meses para desocupação;
  • Em caso de extinção de contrato de trabalho, quando a locação é decorrente de relação de emprego;
  • Em caso de permanência do sublocatário no imóvel, quando a locação em si já foi extinta;
  • O término do prazo de notificação para apresentação de nova garantia locatícia (no caso em que a garantia anterior foi extinta);
  • O término do prazo da locação não residencial (comercial);
  • A falta de pagamento de aluguel e encargos, quando o contrato não possui garantia locatícia (ex.: caução ou um fiador).

Nas outras hipóteses previstas na Lei do Inquilinato, continua possível o despejo liminar. São elas:

  • O término do prazo da locação para temporada;
  • A morte do locatário sem deixar sucessor legítimo na locação;
  • Em caso de necessidade de reparações urgentes no imóvel determinadas pelo Poder Público.

Portanto, ainda existem hipóteses previstas na Lei do Inquilinato em que continua sendo possível o despejo liminar. Além disso, a nova lei não proibiu os despejos ordenados por sentença, não importa qual seja a hipótese.

É possível o despejo liminar em casos não previstos na lei do inquilinato?

Sempre defendi que sim, é possível o deferimento de medida liminar de despejo em casos não previstos no art. 51, § 1º, da Lei do Inquilinato – inclusive, apresentei, em conjunto com a minha sócia, um artigo sobre o tema no XII Congresso de Direito da UFSC, que foi publicado nos anais do evento[2].

Em casos em que a Lei do Inquilinato não prevê expressamente a possibilidade – como, por exemplo, falta de pagamento em caso em que o contrato possui garantia locatícia ou retomada para uso próprio em caso de contrato por prazo indeterminado -, o despejo liminar pode ser deferido com base nos requisitos gerais do Código de Processo Civil para as tutelas de urgência (ou seja, liminares): probabilidade do direito e urgência.

Não pretendo entrar aqui nos detalhes mais técnicos a respeito da tese, mas, para explicá-la resumidamente: as hipóteses em que a Lei do Inquilinato autoriza o despejo liminar são hipóteses em que a lei presume que exista urgência para a retomada do imóvel; nos outros casos, a urgência pode ser comprovada.

Então, por exemplo, em um caso de falta de pagamento dos alugueis em que o contrato possui garantia locatícia, o proprietário pode comprovar que a garantia é insuficiente para cobrir a dívida (exemplo: o inquilino prestou caução no valor de 3 alugueis, mas já está inadimplente há 5 meses) e, assim, conseguir o despejo de forma liminar.

Alerta necessário: embora eu diga que defendo essa tese, ela não é só minha e eu não sou voz isolada. Há jurisprudência nesse sentido, inclusive do Superior Tribunal de Justiça[3].

Os despejos liminares com base nos requisitos gerais do Código de Processo para as tutelas de urgência também não foram afetados pela nova lei. Eu entendo, inclusive, que será possível o despejo liminar, mesmo nas hipóteses vedadas pela nova lei, com base nos requisitos gerais do CPC, quando o proprietário conseguir comprovar que há uma urgência extraordinária.

Por exemplo, a nova lei veda o despejo liminar em caso de falta de pagamento quando o contrato de locação não possui garantia locatícia. Porém, um proprietário que tenha como única fonte de renda o aluguel de um imóvel pode comprovar que há a urgência na sua retomada quando o inquilino não está lhe pagando os alugueis.

E o prazo de início?

A nova lei estipula que a vedação aos despejos liminares (nas hipóteses que já citei) se aplica para as ações ajuizadas após 20 de março de 2020. No entanto, a meu ver, a forma como a lei foi redigida não foi a melhor a deixa margem para dúvidas.

Por exemplo: em um caso de falta de pagamento, com contrato sem garantia, em que o inquilino já estava inadimplente antes de 20 de março, deve o despejo liminar ser vedado? Penso que não, pois o objetivo da lei é proteger os inquilinos que foram prejudicados financeiramente pela pandemia – e, no caso do exemplo, a inadimplência do inquilino já era anterior à pandemia.

É por isso que entendo que a lei deveria prever um marco temporal da proibição atrelado à data da causa do despejo e não à data do ajuizamento da ação. Resta saber como os tribunais se posicionarão a esse respeito.

Além disso, as medidas de despejo já deferidas enquanto o art. 9º da Lei nº 14.010/2020 estava vetado, mas ainda não foram cumpridas, também certamente serão alvo de controvérsia judicial, uma vez que a mera rejeição do veto pelo Congresso não ofereceu uma solução para esses casos.

 


 

[1] A título de exemplo, manchete da própria agência de notícias da Câmara dos Deputados: “Congresso derruba veto e proíbe despejo de inquilinos durante emergência do coronavírus”. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/686196-congresso-derruba-veto-e-despejo-de-inquilinos-ficara-proibido-em-razao-do-coronavirus/

[2] CARREIRÃO, Bruno de Oliveira; DAL GRANDE, Taiana Valar. A aplicabilidade da tutela de urgência nas ações de despejo: uma análise pela ótica do Código de Processo Civil de 2015. In: Anais do XII Congresso de Direito da UFSC. Florianópolis: Centro Acadêmico XI de Fevereiro, 2018. Disponível em: https://www.carreiraodalgrande.com.br/tutela-de-urgencia-despejo-cpc2015.

[3] LOCAÇÃO. DESPEJO. CONCESSÃO DE LIMINAR. POSSIBILIDADE. ART. 59, § 1º, DA LEI N.º 8.245/94. ROL NÃO-EXAURIENTE. SUPERVENIÊNCIA DE ALTERAÇÃO LEGISLATIVA. NORMA PROCESSUAL. INCIDÊNCIA IMEDIATA. DETERMINAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO. APLICAÇÃO DO DIREITO À ESPÉCIE.

1. O rol previsto no art. 59, § 1º, da Lei n.º 8.245/94, não é taxativo, podendo o magistrado acionar o disposto no art. 273 do CPC para a concessão da antecipação de tutela em ação de despejo, desde que preenchidos os requisitos para a medida.

2. Ainda que se verifique a evidência do direito do autor, para a concessão da tutela antecipada com base no inciso I do art. 273 do CPC não se dispensa a comprovação da urgência da medida, tudo devidamente fundamentado pela decisão concessiva, nos termos do § 1º do mencionado dispositivo. A ausência de fundamentação acerca de todas as exigências legais conduz à nulidade da decisão.

3. Embora o acórdão recorrido careça de fundamentação adequada para a aplicação do art. 273, inciso I, do CPC, a Lei n.º 12.112/09 acrescentou ao art. 59, § 1º, da Lei do Inquilinato, a possibilidade de concessão de liminar em despejo por de “falta de pagamento de aluguel e acessórios da locação”, desde que prestada caução no valor equivalente a três meses de aluguel. Assim, cuidando-se de norma processual, sua incidência é imediata, sendo de rigor a aplicação do direito à espécie, para determinar ao autor a prestação de caução – sob pena de a liminar perder operância.

4. Recurso especial improvido (STJ – REsp 1207161/AL, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/02/2011, DJe 18/02/2011).

Bruno de Oliveira Carreirão
Bruno de Oliveira Carreirão

Advogado, mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, pós-graduado em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito – EPD e membro das Comissões de Direito Urbanístico e Direito Imobiliário da OAB/SC, da Associação Brasileira de Direito e Economia - ABDE e do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.

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